Tiradentes e a sua importância para o direito atual


Resumo: No dia 21 de abril comemoramos o feriado nacional de Tiradentes como forma de homenagear Joaquim José da Silva Xavier, o mártir da inconfidência mineira no Brasil que foi condenado à pena capital pelo crime de lesa-majestade. Apesar disso, pouco se fala sobre a sua história e a contribuição dela para o direito da atualidade. 

Autora: GABRIELLE GOMES GEORGETTE. Advogada (OAB/SP 460.785). Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2021). Cursando pós-graduação em Direito de Família e em Direito Civil. Integrante da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Artigo: No dia 21 de abril comemoramos o feriado nacional de Tiradentes como forma de homenagear Joaquim José da Silva Xavier, que, órfão de pai e mãe aos 11 anos de idade, foi criado pelo padrinho cirurgião, com quem aprendeu noções de medicina, sendo também tropeiro, mascate, minerador e médico prático, e, com pouco mais de 30 anos de idade, alcançou o posto de Alferes da 6ª Cavalaria Regular da Capitania de Minas Gerais, quando participou da Inconfidência Mineira, de quem hoje é seu mártir, e, por isto, foi preso em 10 de maio de 1789, condenado à morte em 1791 e morto por enforcamento em 21 de abril de 1792, pelo crime de lesa-majestade. Apesar disso, pouco se fala sobre a sua história e a contribuição dela para o direito da atualidade.

Tiradentes foi considerado líder do movimento da Inconfidência Mineira que lutava pela independência da colônia (Brasil) da metrópole (Portugal), pela redução dos impostos e pela redução da exploração do ouro da capitania de Minas Gerais, que, na época, destinava 20% de toda a riqueza extraída à Portugal.

A história de Tiradentes foi muito importante para a criação do direito assim como ele é hoje, pois além de ter influenciado diretamente na luta pela liberdade do Brasil de sua metrópole, também contribuiu para que o povo brasileiro entendesse a importância da criação de suas próprias leis e da regulação de seus próprios tributos, já que na época o Brasil, ainda mera colônia de Portugal, sofria com a aplicação de leis severas impostas pela metrópole, sendo quase todas as condutas punidas com a morte.

Vigia na época as Ordenações Filipinas do Reino de Portugal, oriundas da reforma feita pelo Rei Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal) ao Código Manuelino em 1603, durante o período da União Ibérica.

Em seu Livro V, Título VI, era previsto o crime de “Lesa Magestade”, que “quer dizer traição contra a pessoa do Rey, ou seu Real Stado, que he tão grave e abominavel crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharão, que o comparavão à lepra; porque assi como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que com elle conversão; polo que he apartado da comunicação da gente; assi o erro da traição condena o que a commette; e empece e infama os que de sua linha descendem, postoque não tenhão culpa”.

Eram 8 (oito) as condutas tipificadas como traição:

1ª: “se algum tratasse a morte de seu Rey, ou da Rainha sua mulher, ou de algum de seus filhos, ou filhas legítimos, ou a isso desse ajuda, conselho e favor”;

2ª: “se o que tiver Castello, ou Fortaleza do Rey, elle, ou aquelle que da sua mão a tiver, se levantar com ella, e a não entregar logo à pessoa do Rey, ou a quem para isso seu special mandado tiver, ou a perder por sua culpa”;

3ª: “se em tempo de guerra algum se fosse para os inimigos do Rey, para fazer guerra aos lugares de seus Reinos”;

4ª: “se algum der conselho aos inimigos do Rey per carta, ou per qualquer outro aviso em seu desserviço, ou de seu Real Stado”;

5ª: “se algum fizesse conselho e confederação contra o Rey e seu Stado, ou tratasse de se levantar contra elle, ou para isso desse ajuda, conselho e favor”;

6ª: “se ao que fosse preso por qualquer dos sobreditos casos de traição, algum desse ajuda, ou ordenasse como de feito fugisse, ou fosse tirado da prizão”;

7ª: “se algum matasse, ou ferisse de proposito em presença do Rey alguma pessoa que stivesse em sua companhia”; e,

8ª: “se algum em desprezo do Rey quebrasse, ou derribasse alguma imagem de sua semelhança, ou armas Reaes, postos por sua honra e memoria”.

Para todos os casos, as penas eram as mesmas, quais sejam: “a cada hum deles he propriamente commettido crime de Lesa Magestade, e havido por traidor o que os commetter. E sendo o commettedor convencido por cada hum delles, será condenado que morra morte natural cruelmente; e todos os seus bens, que tiver ao tempo da condenação, serão confiscados para a Corôa do Reino, postoque tenha filhos, ou outros alguns descendentes, ou ascedentes, havidos antes ou depois de ter cometido, tal maleficio”.

Além disso, atingiam não apenas a pessoa que praticasse a conduta proibida, se fosse homem, mas também a sua descendência (filhos e netos): “e em qualquer desses casos acima declarados, onde os filhos são exclusos da herança do pai, se forem varões, ficarão infamados para sempre, de maneira que nunca possão haver honra de Cavaleria, nem de outra dignidade, nem Officio; nem poderão herdar a parente, nem a estranho abintestado, nem per testamento em que fiquem herdeiros, nem poderão haver cousa alguma, que lhes seja dada, ou deixada, assi entre vivos, como em ultima vontade, salvo sendo primeiro restituídos à sua primeira fama e stado. E eta pena haverão pela maldade que seu pai commetteo. E o mesmo será nos netos somente, cujo avô commetteo o dito crime”.

Contudo, se a pessoa que praticasse a conduta proibida fosse mulher, o tratamento era diferente: “porém isto não haverá lugar quando as mães commetterem a tal madade, por que nesse caso a pena e infamia desta Ordenação não passará dos filhos”.

Para as filhas dos traidores também existia previsão de tratamento diferenciado em relação aos filhos: “as filhas de taes traidores poderão herdar às suas mãis, e aos outros parentes, assi per linha direita ascendentes e descendentes, como per linha transversal, e a qualquer outros estranhos, assi abintestado o que diretamente lhes pertencer, como per testamento ou qualquer outro justo titulo de ultima vontade, ou de entre vivos”.

A sua morte, resgatada a partir do período republicano, inspirou um olhar mais humano sob o direito penal brasileiro, eis que todo o processo até a sua condenação foi extremamente desumano e o cumprimento da sua sentença de morte ocorreu de forma abominável, com a clara intenção de chocar toda a sociedade mineira. 

Sabe-se que após a delação de Joaquim Silvério dos Reis, Tiradentes foi preso no Rio de Janeiro em 10 de maio de 1789, e posteriormente levado para Ilha das Cobras, onde ficou preso por três anos, sendo condenado à morte em 1791.

Após todo esse tempo de prisão, foi morto na forca, em 21 de abril de 1792, decapitado e esquartejado para que sua cabeça fosse exposta em praça pública, como forma de aviso a quem viesse contrariar os interesses da Colônia, constando da sua sentença: “Joaquim José da Silva Xavier — Morte natural, levada a cabeça para Vila Rica e os quartos para as estradas de Minas, principalmente na Varginha e Cebolas; infâmia para os filhos e netos, confisco de bens, casa arrasada e salgada, e no meio das ruínas um padrão, que declare o motivo”.

Esse fato abre portas para que pensemos na importância do devido processo legal, dos princípios do in dubio pro reo, da ampla defesa e do contraditório, e da proibição de pena capital e de qualquer tipo de pena cruel ou desumana no direito brasileiro, pois tais proteções individuais, infelizmente ainda hoje tão injustamente atacadas, resguardam o indivíduo e toda a sociedade de pagar com a própria vida pelas injustiças e abusos do Estado e seus agentes. 

Outro ponto importante que se pode abordar com a história de Tiradentes é justamente a utilização do instituto da delação premiada em época tão distante da que a prática foi regulada. Como mencionado, o processo contra Tiradentes só teve início após a delação de Silvério dos Reis que entregou o movimento em troca de perdão das dívidas que tinha com a Coroa Portuguesa. 

Portanto, apesar de parecer recente a utilização de benefícios para quem delata autores de crime, discussão reacendida por conta da operação denominada “Lava Jato”, tal instituto é utilizado desde o período colonial, sendo previsto, inclusive, na legislação que tratava do crime de lesa-majestade: “E quanto ao que fizer conselho e confederação contra o Rey, se logo sem algum espaço, e antes que per outrem seja descoberto, elle o descobrir, merece perdão. E ainda por isso lhe deve ser feita mercê, segundo o caso merecer, se elle não foi o principal tratador desse conselho e confederação”.

Com isso podemos notar como acontecimentos históricos como esse influenciaram e continuam influenciando a formação do direito na atualidade, motivo pelo qual é tão importante ter conhecimento sobre a história do Brasil. 

Fontes:

[1] PORTUGAL. Ordenações Filipinas. Legislação, Portugal, séc. XVII-XIX. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242733>.

[2] BRASIL. Biblioteca Nacional. Autos da Devassa relativa à Inconfidência Mineira de 1789. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss1289278/mss1289278.pdf>.